Terça-feira, 25 de Janeiro de 2005

NOMEAR & INAUGURAR - MANUAL DO ABUSO DE PODER

Em conferência de imprensa realizada no dia 17 de Janeiro alertei para o facto de o Governo estar a extravasar limites impostos pela Constituição e pela lei e a revelar-se tão incapaz de cumprir os seus deveres depois de demitido como antes de o ser.
Assinalei então os dois domínios em que se registam anomalias graves: (1) o uso de funções governamentais para fins de campanha eleitoral; (2) a política de nomeações para cargos públicos.
Sucede que em ambos esses domínios a situação que descrevi, em vez de sofrer atenuação, agravou-se.A febre de inaugurar é tal que segundo contas hoje publicadas já lá vão 63, desde o anúncio da dissolução. Mas este número não reflecte todo o frenesim propagandístico do Governo: quando não há nada a inaugurar os membros do executivo “inauguram” protocolos, anunciam medidas estrambóticas como se tivessem possibilidade de as executar – um delírio de “fim de festa”, sem rei nem roque.
Deixo aqui, como registo, a foto feita no dia 17.

I - Nestes dias muitos dos membros do Governo demitido que são simultaneamente candidatos a deputados percorrem freneticamente o país. Em certos casos, por fantástica coincidência, dão prioridade – de forma totalmente impúdica - a zonas do círculo eleitoral da sua candidatura partidária ou a regiões vizinhas. Estas condutas são inadmissíveis, estão a agravar-se e devem ser de imediato interrompidas!
Convido-vos à análise atenta das agendas diárias dos membros do Governo e descobrirão múltiplos exemplos. Vou limitar-se a citar alguns casos, especialmente graves.

Começo pelo Secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde, candidato por Braga, que acaba de percorrer o Norte, inaugurando extensões de Saúde , inaugurando a Farmácia Hospitalar de um hospital (já antes inaugurada) e assistindo à apresentação dos resultados da actividade assistencial de 2004.
O Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, também candidato por círculo do centro do país, dedicou Janeiro a percorrer em maratona Almeida, Covilhã, Celorico da Beira, Seia e outras localidades, para recepções e assinaturas de protocolo de construção de novos quartéis de Bombeiros e da GNR ou para celebrar protocolos para obras de remodelação e cedência de espaço num quartel local. Chega mesmo a assinar solenemente rajadas de contratos de trabalhos de natureza simples em quartéis de Bombeiros Voluntários.


O MINISTRO DA AGRICULTURA, PESCAS E FLORESTAS apresentou-se logo no dia 7 de Janeiro em Portalegre, para onde migrou como candidato, pretextando actividades inteiramente urgentes como uma visita ao Mercado Municipal e um inadiável encontro com agrupamentos de produtores e a Associação de agricultores do Distrito

O Sr. Ministro da Justiça tem centrado quase unicamente no Porto ou no Norte as inaugurações a que preside, abrangendo designadamente um Juízo de Execução, um protocolo destinado à instalação de Julgado de Paz e uma visita à Trofa para outro protocolo similar. Neste fim de semana foi a Famalicão à “primeira pedra” e consignação dos trabalhos relativos à empreitada de construção de futuro Palácio da Justiça. Nessa ocasião o Sr.Ministro falou como cabeça de lista para criticar o Prof. Cavaco Silva por não ajudar o PSD nas horas difíceis e para apontar nomes para a sucessão do actual líder do PSD após 20 de Fevereiro. Perguntarão os srs jornalistas por que razão o PS se mostra tão preocupado por esta exibição pública das quezílias brutais que marcam a crise interna e sangria dos nossos adversários. Preocupamo-nos porque a confusão grosseira entre as funções governamentais e as funções partidárias dá uma péssima imagem da política e dos políticos, revela um espírito de “salve-se quem puder e a qualquer preço”. Esse comportamento é totalmente contrário à ética republicana que perfilhamos e tem de ser firmemente combatido.

Hoje mesmo em Sintra, ao inaugurar, com espavento e PM, um tribunal essencialmente fruto do impulso e do esforço conjunto de um Governo e de uma câmara municipal do PS, o Governo ilustra outro facto grave: é que do “vale tudo” faz parte tentar colher frutos do trabalho alheio.

À medida que Fevereiro se aproxima, o Secretário de Estado-Adjunto da Segurança Social, da Família e da Criança, líder do PSD-Porto, depois de maratonas inauguracionais em Bragança e Vila Real, percorre agora - sem disfarces e sem o mínimo pudor - concelhos do círculo eleitoral do Porto pelo qual se recandidata, visitando instalações de Centros Sociais e Paroquiais, Associações de Solidariedade Social, casas de Beneficência e Associações de Solidariedade Humanitária.

A estes membros do Governo em campanha eleitoral aberta nos seus próprios círculos eleitorais somam-se os que calcorreiam o país, de Norte a Sul, as mais das vezes para assinar promessas cuja execução não é possível no mandato do Governo a que pertencem. Destacam-se nesta faina - em viaturas do Estado e com dinheiros públicos - o Secretário de Estado da Juventude e o Ministro das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional que assina à velocidade da luz contratos de cooperação técnica e financeira numa espécie de “Paris-Dakar eleitoral” por concelhos de várias regiões.
O Senhor Ministro da Segurança Social, da Família e da Criança adoptou até agora esse comportamento oblíquo, mas hoje mesmo desceu sem disfarces sobre Setúbal, o círculo por que é candidato, para uma primeira sortida de visitas a lares e centros de apoio num distrito onde o PSD enfrenta claras dificuldades. Quanto ao Ministro de Estado e da Defesa declara em todas as ocasiões – próprias e impróprias - não ter estados de alma e autopropagandeia sistematicamente a sua notável contribuição para o triste estado a que chegou o país.

É preciso assinalar finalmente que outros membros do Governo investem meios de propaganda no anúncio de Projectos e programas com horizontes temporais próprios do próximo Governo como o Programa Operacional Ciência e Inovação 2010, Programa Operacional da Administração Pública e o Programa Operacional Sociedade do Conhecimento.

Alertei, pois, para a gravidade destes comportamentos anómalos. A lei eleitoral e legislação especial em vigor impõem a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas. Os órgãos do Estado e outros poderes públicos não podem fazer directa ou indirectamente campanha eleitoral nem praticar quaisquer actos que favoreçam ou prejudiquem uma candidatura em detrimento ou vantagem de outra ou outras. A violação desse dever é punível, muito em especial quando se traduza num abuso de funções. A Comissão Nacional de Eleições e os tribunais existem para sancionar essas anomalias.

Reputei essencial que o PM tome medidas que impeçam a continuação de práticas eleitoralistas por parte de membros do Governo e dê o exemplo, abstendo-se de as encabeçar ou tolerar.(Aconteceu o contrário!)

II- Em matéria de nomeação de pessoas para cargos públicos, o momento eleitoral exige de todos os membros do Governo especial contenção e respeito pela lei.
Por um lado, a Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, relativo ao provimento nos cargos de direcção superior, estabelece inequivocamente que

"Não pode haver nomeações para cargos de direcção superior depois da demissão do Governo ou da convocação de eleições para a Assembleia da República…”(art. 19º, n.º 6).
Por outro lado, desde o dia 13 de Dezembro, na sequência do pedido de demissão apresentado pelo PM, o Governo está demitido, não podendo praticar mais do que actos de gestão corrente. Salvo em casos-limite e por razões de urgência inadiável, ministros demitidos não podem fazer quaisquer nomeações. A Constituição e lei proíbem-lhes terminantemente a feitura desse tipo de “testamentos políticos” que podem comprometer a liberdade de escolha de quem obtenha o sufrágio dos cidadãos.

O PS está a fazer a análise caso a caso das nomeações que o DR tem continuado a publicar. Vamos hoje mesmo, através de requerimento parlamentar, pedir explicações ao Senhor Primeiro Ministro sobre os fundamentos que levam a que, já ultrapassada a primeira metade de Janeiro, continuem a ser publicadas nomeações, em certos casos datadas de Novembro e para cargos cujo preenchimento a título de urgência não é sequer pensável, como é o caso de grupos de trabalho com funções de prospectiva e planeamento.
Trata-se de uma matéria muito melindrosa que envolve o bom nome de pessoas concretas, razão pela o PS não fará qualquer alusão nominal antes de obter esclarecimento cabal por parte do Governo.

Num caso concreto justifica-se, no entanto e desde já um veemente protesto. Refiro-me às nomeações injustificáveis, à pressa, para a nova empresa pública Estradas de Portugal.
Contrariando desmentidos veiculados através do Gabinete do Ministro António Mexia face a alertas anteriores, vive-se uma hoje situação anómala. (1) uma nova Administração tomou assento nas instalações da empresa Estradas de Portugal desde o início de Janeiro, sem que conheça resolução de nomeação e tomada de posse (que aliás não podem ocorrer por o Governo demitido não dispor de poderes para tal); (2) o anterior Presidente do Instituto de Estradas de Portugal abandonou as funções de gestão corrente - em que por lei deveria manter-se - devido a ter sido nomeado pelo Conselho de Ministros gestor da intervenção operacional de acessibilidade e transportes do QCAIII. Para tudo ser mais estranho ainda, no comunicado do CM em que alegadamente foi nomeado este gestor, não há qualquer alusão a tal nomeação, pondo em dúvida a certeza da data invocada...
O PS exige que o Governo explique como puderam gerar-se anomalias desta gravidade, mas também queremos fazer um aviso claro : só a legalidade protege o futuro. A ilegalidade não compensa e só pode ser mãe de precaridade e instabilidade.

O Governo está perfeitamente a tempo de arrepiar caminho. Tem todas as razões para o fazer.A bem da tranquilidade e da regularidade do processo eleitoral , fazemos votos de que os alertas do PS sejam compreendidos e manifestamos a nossa confiança nas instituições democráticas a quem cabe velar pelo cumprimento da lei e nos portugueses, a quem estes expedientes indignam e repugnam.





publicado por quadratura do círculo às 12:54
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