Terça-feira, 15 de Junho de 2004
(...) Gostava de vos roubar algum tempo para dissecar algumas coisas que foram ditas
e que me parecem bastante elucidativas do papel e das motivações de cada um
dos protagonistas da noite eleitoral.
A Durão Barroso coube o discurso politicamente correcto - vamos ver com que
consequências práticas nos próximos dias - da assunção da derrota e da
proclamação do não-autismo.
A Ferro Rodrigues coube o discurso do "deixa-me cá mandar uns recados para
dentro, para não me fazerem a folha". Foi vergonhoso ver o suposto líder da
oposição mais preocupado com trica política panfletária e arruaceira -
que aliás tem sido sempre a sua forma de estar na política desde que assumiu
a liderança do PS - e com o anunciar da sua recandidatura à liderança do PS
do que em apresentar propostas concretas para o futuro do País. Era o
momento do PS mostrar o que vale em IDEIAS e em POLÍTICAS e o Dr. Ferro
Rodrigues apenas confirmou que a vitória do PS foi feita à custa de golos que
o Governo marcou na sua própria baliza.
A CDU e o Bloco fizeram o discurso do costume. Nada de novo.
A Deus Pinheiro também coube o seu papel. Não resisto a deixar aqui um aparte
quanto à sua intervenção na noite eleitoral: Deus Pinheiro ao centro,
ladeado por Luís Queiró e Luís Pedro Mota Soares. Imagino as conversas de
bastidores : " vão lá e ponham-se bem à frente, para vos verem bem..."
Já Luís Filipe Menezes aproveitou para lançar a sua candidatura à Câmara do
Porto, com o anunciado apoio de Marques Mendes e do secretário-geral do PSD,
Miguel Relvas.
Santana Lopes não se estendeu em polémicas, contrariando o seu habitual. A
pose de homem de Estado é-lhe agora a mais conveniente.
Já Marcelo Rebelo de Sousa chamou as coisas pelos nomes : uma grande
"banhada". Ainda que noutro registo linguístico, Dias Loureiro, na RTP1,
acompanhou-o nessa análise.
A Paulo Portas coube a revelação (será que ainda era preciso essa
revelação?) da noite : a coligação está de pé e é para durar. Não deixa
de ser sintomático que seja ele a fazer tal profissão de fé.
Por outro lado a repetição, já anedótica, de que o CDS-PP agora é um
partido completamente europeísta, porque votou favoravelmente Nice e
Amsterdão, foi também esclarecedora : venha a Constituição Europeia que
nós ratificamos sem pestanejar - é preciso é que a coligação se mantenha
e com ela todos os "jobs" criados para um partido que estava ávido de tal.
Se dúvida havia quanto ao estado de espírito e às motivações de todos estes
senhores, creio que a noite eleitoral foi bastante esclarecedora.
Pessoalmente, o que me servirá de barómetro para a tal introspecção
que o Governo deve fazer sobre os resultados eleitorais será um
facto isolado, mas que considero ser demonstrativo da forma como funciona o
Governo e a coligação. Se Durão Barroso remodelar a Ministra da Justiça
creio que seja possível ao Governo, se simultaneamente se lançar num caminho
de maior investimento público e de políticas sociais mais activas e
visíveis, chegar vitorioso a 2006.
Se Durão Barroso não o fizer (e atenção que não quero dizer com isto que
Celeste Cardona deva ser a única a ser remodelada no elenco governativo, nem
tão pouco que seja a sua pasta a de mais urgente remodelação), dará um
sinal claro e inequívoco de que é uma marioneta nas mãos de Paulo Portas.
Portas precisa do capital político que o clã Cardona/Queiró ainda vai tendo
dentro do seu partido e fazer cair Celeste Cardona poderia abrir algumas
brechas internas que Portas quer a todo custo evitar. Se a eleição de Luís
Pedro Mota Soares para a Secretaria-Geral do partido serviu para a manutenção
das boas relações políticas com a Juventude do seu partido, a manutenção
de Celeste Cardona é importantíssima para aguentar o barco do CDS. Fazer sair
Celeste Cardona do Governo poderia ser o princípio do seu fim.
Se Durão Barroso não o fizer, aí sim, mais do que o Governo, o País estará
perdido.
All?s well that ends well... mas tem de se fazer por isso Dr. Durão.
Filipe de Almeida Santos