Recente programa televisivo colocou frente a frente o Conselho Directivo da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), representada em mesa de debate pelo seu presidente, com a coadjuvação de um dos vice-presidentes, e o Ministro de Estado e da Administração Interna, coadjuvado pelo fiscalista Saldanha Santos.
Sendo certo que os debates nas estações de televisão portuguesas raramente são proporcionais à representação das forças em causa, este nem foi proporcional nem representativo. Não foi proporcional, porque o peso da facção que está contra a proposta de nova lei das finanças locais, foi seguramente maior do que o da parte que a está a promover (uns míseros pontos percentuais) e que configura a actual maioria absoluta parlamentar, a menos que se acredite piamente na infinita força do governo. Não foi representativa, porquanto, se de autarquias se trata, só estavam representados os municípios, deixando por fora os representantes das freguesias, que também estão legalmente constituídos em associação. E não acredito que se tenha recuperado a categoria social e política da Idade Média: a pretensa tradição municipalista estreme, quase esquecendo o clero e a nobreza. Onde está o peso da ANAFRE, estribado na força das freguesias? E, destas, se umas pouco significam em termos políticos e económicos, outras bem se vêm afirmando quer no aspecto político-económico quer nos aspectos político-social e cultural.
É caso para desconfiar: se o governo joga forte e absoluto no Terreiro do Paço e um singelo ministro, acompanhado de um fiscalista sério e intelectualmente competente, pode bater-se com uma plêiade de presidentes de câmara, que até sabem aclamar e apupar, porque a lei não lhes agrada pessoalmente por vir a exigir maior responsabilidade gestionária ou por vir a beneficiar os munícipes que sobrevivem através das freguesias; ou se a ANAFRE está pura e simplesmente de acordo, porque a distribuição do bolo das transferências do Orçamento do estado a beneficia e por ver em palpos de aranha a sua congénere municipal.
Porém, a afirmação mais escandalosa e estranha veio a lume, quando um dos vice-presidentes da ANMP, ao atirar para fora do capote municipal o propalado labéu da corrupção, silabou que não se é corrupto por ser autarca, mas é-se corrupto por opção pessoal.
Confesso ter ficado perplexo. Se o homem quis dizer que nem só os autarcas são atingidos pelo raio da corrupção, estamos de acordo. Mas era necessário reconhecer que o estado que, desejaríamos transitório, de autarca constitui um espaço onde é mais fulgurante a tentação corruptora, pelo que é necessário mobilizar permanentemente as instituições controladoras para a vigilância, até para bom nome dos bons.
No meio de tudo esteve bem o Ministro ao recusar debater a corrupção em especial com os autarcas, até, como disse, para não estar a pactuar com o que deles se murmura tão frequentemente.
Lançar o espectro da corrupção para o campo das opções pessoais é grave e de pernicioso efeito. Por ser a corrupção a todos os títulos eticamente reprovável e configurando, à face da lei, o instituto de crime, não pode ficar na lista das opções pessoais, tal como o não podem o roubo, a violação, o espancamento, o assassinato, o abuso de autoridade, a deserção, a alta traição, etc.
As prisões, os hospitais e os cemitérios existem, porque o crime, a doença ou o desastre e a morte acontecem, não porque se desejam; são condição dos mortais, não sua opção; resultam da fraqueza e da maldade dos homens, não de seu legítimo estilo de vida.
Como a corrupção não é uma condição ditada pela fraqueza da vida ou da maldade do homem, é caso para pensar que os corruptos nem lugar têm na prisão, hospital e cemitério. Todavia, para onde é que eles haveriam de ir?
Louro de Carvalho